недеља, мај 28

Hoje que a tarde é calma e o céu tranqüilo,
E a noite chega sem que eu saiba bem,
Quero considerar-me e ver aquilo
Que sou, e o que sou o que é que tem.
Olho por todo o meu passado e vejo
Que fui quem foi aquilo em torno meu,
Salvo o que o vago e incógnito desejo
Se ser eu mesmo de meu ser me deu.

Como a páginas já relidas, vergo
Minha atenção sobre quem fui de mim,
E nada de verdade em mim albergo
Salvo uma ânsia sem princípio ou fim.

Como alguém distraído na viagem,
Segui por dois caminhos par a par
Fui com o mundo, parte da paisagem;
Comigo fui, sem ver nem recordar.

Chegado aqui, onde hoje estou, conheço
Que sou diverso no que informe estou.
No meu próprio caminho me atravesso.
Não conheço quem fui no que hoje sou.

Serei eu, porque nada é impossível,
Vários trazidos de outros mundos, e
No mesmo ponto espacial sensível
Que sou eu, sendo eu por `'star aqui ?

Serei eu, porque todo o pensamento
Podendo conceber, bem pode ser,
Um dilatado e múrmuro momento,
De tempos-seres de quem sou o viver ?

Fernando Pessoa

понедељак, мај 22

Neste lado de cá, não sou nada de palpável, pois vivo tanto com os mortos como com aqueles que ainda não nasceram, um pouco mais próximo da criação do que é habitual, embora ainda não suficientemente perto. Será que emana calor de mim? Frio??É impossível falar disto sem paixão. Quando estou mais longe é que me sinto mais piedoso. Por vezes, vejo-me, do lado de cá, um pouco malicioso. Isto são aspectos de um conjunto. Os padres não são suficientemente piedosos para o ver. E estes sábios ficam um pouco escandalizados.

Paul Klee

понедељак, мај 15

se pudesse falava, enrolava a língua, e sussurrava essa canção para vocês.

mas não me (nos) é possível, o que se há de fazer?


Gosto de sentir a minha lígua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões

Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesias está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua

"Minha pátria é minha língua"
Fala mangueira!
Fala!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O
que quer
O que pode
Esta língua?

Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas
Sejamos imperialistas
Vamos na velô da dicção choo choo de
Carmen Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E - xeque-mate - explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da
TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Sejamos o lobo do lobo do homem

Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisas como Rã e Imã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon Chevalier
Glauco Matoso e Arrigo Barnabé e maria da
Fé e Arrigo barnabé
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O
que quer
O que pode
Esta língua?
Incrível

É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Se
você tem uma idéia incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão

Blitz quer dizer corísco
Hollyood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o
Recôncavo
Meu medo!
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria: tenho mátria
E quero frátria

Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Samba -rap, chic-left com banana
Será que ela está no Pão de Açúcar?
Tá craude brô você e tu lhe amo
Qu’é qu’eu te faço, nego?
Bote ligeiro
Nós canto-falamos como que inveja negros
Que sofrem horrores no gueto do Harlem
Lívros, discos, vídeos à mancheia
E deixe que digam, que pensem e que falem...

(Caetano Veloso)

недеља, мај 14

o excesso de gente impede de ver as pessoas
fico aqui em silêncio.
cansada.
Love for sale,
fita-me...
mas saiba que somos incomunicáveis
eu gozo, peno, rio, desmaio.
pode ser assim?
teimosamente sangrando,
danço sobre as horas cotidianas.
E se vc não puder entender... fica assim:
é por vontade de deus esta ânsia.
um presente de deus esta angústia.


vire-se e retorne ao principado,
que fico aqui, Sem fim e sem sentido.
entenda,
eu não te acompanho mais.

понедељак, мај 8

Acordei sem um puto.
Rainha de um reino perdido,
desolado, mas muito digno.
Majestoso.

Entendi a falta de clareza dos fenômenos
a indelicadeza do sarcasmo mal embasado
a crueza dos amores não correspondidos e das literaturas de cordel
o laço com cerol que arremata histórias sem contexto.

Vi que os dias de maio ainda são os mais belos. Fotografia perfeita para filme de um diretor ainda-por-vir.Desce um café meio amargo em algumas xícaras de esperança e desilusão.
Somem-se todos os juros de uma dívida imperdoável e cobre com o sangue daquele desejo mais profundo, e indizível.

Sim, eu sou rainha do meu mundo. Inventora dos meus clichês e cafetina do meu corpo. Dona do meu prazer e da minha dor.
Já a cidade e a ruína,
o Pai, o morto, e
ao fundo,
o som das asas das borboletas gigantes azuis,
que sobrevoam a China.

субота, мај 6

E agora?
se?
mas, nada.
Retiraram a mesa. Agora vagam, estapafúrdios: o café e o sono, o pão e a fome, as flores sem jardim, a tesoura, o veneno, o pão-de-queijo, o ladrão boliviano, as arestas, as neuroses e as encenações.
Agora que não há mais lugar,
tudo na mais perfeita desordem.

Eu, vc e um outro não temos um passado. Somos assaltados pela presença sorrateira um do outro em locais submersos,
irrealizáveis.

среда, мај 3

Não é extraordinário pensar que dos três tempos em que dividimos o tempo - o passado, o presente e o futuro -, o mais difícil, o mais inapreensível, seja o presente? O presente é tão incompreensível como o ponto, pois, se o imaginarmos em extensão, não existe; temos que imaginar que o presente aparente viria a ser um pouco o passado e um pouco o futuro. Ou seja, sentimos a passagem do tempo. Quando me refiro à passagem do tempo, falo de uma coisa que todos nós sentimos. Se falo do presente, pelo contrário, estarei falando de uma entidade abstracta. O presente não é um dado imediato da consciência.

Sentimo-nos deslizar pelo tempo, isto é, podemos pensar que passamos do futuro para o passado, ou do passado para o futuro, mas não há um momento em que possamos dizer ao tempo: «Detém-te! És tão belo...!», como dizia Goethe. O presente não se detém. Não poderíamos imaginar um presente puro; seria nulo. O presente contém sempre uma partícula de passado e uma partícula de futuro, e parece que isso é necessário ao tempo.

Jorge Luís Borges, in 'Ensaio: O Tempo'