недеља, април 30

Somos todos poetas



Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.

Murilo Mendes

среда, април 26

Interlúdio


As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.


Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.


Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.


Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.


Fico ao teu lado.


Cecília Meirelles

понедељак, април 24

Todas as palavras me escapam.
Todos sairam de férias
Todas as luas se foram
E as crianças dormem pra sempre
Só sei do meu desencontro
de mim para com o mundo
de mim para com os deuses, que abandonei antes do tempo
de mim para com meu tempo
de meu tempo para com meu espaço
de meus desejos para com meus cansaços
de meus reflexos para com meus reflexos,
e de todo o nada que sobra deles,
que é tudo que não se reduz a eles
e que persiste, insiste, dura e grita o esboço das palavras que já não me querem.
Aquela ruína de pé,gentalha que rebola, que rebola e fede,
lembra orgulhosa das coisas que poderiam ter sido diferentes
e é tão mais bela que a calculadora empenhada, símbolo infesto,
numa mesa de bar.


Choco-me contra o espelho, e o despedaçar nao produz nada além de um belo espetáculo

четвртак, април 20

Esta desmedida e inelutável insistência com que o azul me retorna sempre cativante e altivo, dissipando agruras, gripes, fantasmas e neuroses... nunca é um abandono da reflexividade ou do pensamento, não há irracional que me tome as redéas. É apenas encantamento, a mais potente e viril das razões...que não pertence, não é próprio de mim ou de tu, não se esgota na unidade determinada do meu organismo ou da sua psiquê.
O azul me escorre por toda manhã.

A configuração dos traços fredianos se enlançou enamorada dos cactos que moram na minha janela.
Eu não sei se os marcadores de texto do meu livro lembram confetes de carnaval ou bandeirolas de festa junina.
Há tb uma questão de indecidível amor pelos socrátes do mundo... pobres escravos...sejam eles de Hegel, de Nietzsche, de Angola, de Atenas, de mim...
Porque eu, meus amigos, queria ser meu pai, minha mãe e meu filho. O Satanás, Deus, e a virgem. Frederico, Salomé,vinícius,Severino, Catarina, Fernando, Ernesto,Luís...e EU.
Mas pensando um pouco melhor, querer é exagero... Já não sei se sou capaz de querer... tomo por hábito e costume esta mania de escrever e copio, copio, roubo e copio, para rir sacudidamente...
sarcastimente...
docemente...
livremente...
posto que,
nada.

четвртак, април 13

Penso na vida. Todos os sistemas que poderei edificar jamais igualarão os meus gritos de homem ocupado em refazer a sua vida... Estas forças informuladas que me assaltam deverão necessariamente ser um dia acolhidas pela minha razão, deverão instalar-se no pensamento, essas forças que do exterior tem a forma de um grito. Há gritos inbtelectuais, gritos que provêm da finura das médulas. É a isso que eu chamo a Carne.Não separo o meu pensamento da minha vida. Refaço a cada uma das vibrações da minha lingua todos os caminhos do pensamento da minha carne... Mas que sou eu no meio dessa teoria da Carne ou melhor, da existência? Sou um homemm que perdeu a vida e que procura por todos os meios fazer-lhe retomar o seu lugar... Mas é preciso que eu inspecione este sentido da carne que deve dar-me uma metafísica do Ser e o conhecimento definitivo da Vida.

Antonin Artaud, in: Position de la chair

среда, април 12

Eu odeio, no fundo, toda a moral que diz: «Não faças isto, não faças aquilo. Renuncia. Domina-te...». Gosto, pelo contrário, da moral que me leva a fazer uma coisa, a refazê-la, a pensar nela de manhã à noite, a sonhar com ela durante a noite, e a não ter jamais outra preocupação que não seja fazê-la bem, tão bem quanto for capaz entre todos os homens. A viver assim despojamo-nos, uma a uma, de todas as preocupações que não têm nada a ver com esta vida: vê-se sem ódio nem repugnância desaparecer hoje isto, amanhã aquilo, folhas amarelas que o menor sopro um pouco vivo solta da árvore; ou mesmo nem sequer se dá por isso, de tal modo o objectivo absorve o olhar, de tal modo o olhar se obstina em ver para diante, não se desviando nunca, nem para a direita nem para a esquerda, nem para cima nem para baixo. «É a nossa actividade que deve determinar o que temos de abandonar; é actuando que deixaremos», eis o que amo, eis o meu próprio placitum! Mas eu não quero trabalhar para me empobrecer mantendo os olhos abertos, não quero essas virtudes negativas que têm por essência a negação e a renúncia.

Friedrich Nietzsche, in 'A Gaia Ciência'

недеља, април 9

Rídicula esta posição de barriga pra baixo. Rastejas. Furas a parede na sua base. Esperas escapar-te, como um rato. Semelhante `a sombra, à manhã, na estrada.
E essa vontade de permanecer de pé. apesar da fadiga e da fome?
Um buraco, era apenas um buraco,
o destino do livro.
( Um buraco-polvo, a tua obra?
O polvo foi pendurado no teto e os tentáculos começaram a brilhar.)
Era apenas um buraco
na parede,
tão estreito que jamais
pudeste introduzir-se nele
para fugir.
Desconfiai das habitações. Nem sempre são acolhedoras.

Edmond Jabès

уторак, април 4

Hoje tive comigo o nada
Libertador nada

понедељак, април 3

Tenho náusea carnal do meu destino.
Quase me cansa me cansar. E vou,
Anônimo, menino,
Por meu ser fora à busca de quem sou.

Álvaro de campos